sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Preparado para o Brasil ?

Por Bruno Soller
O mais longevo governador no cargo, no Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin tem se colocado na disputa presidencial, com o slogan “preparado para o Brasil”. Evidentemente que alguém com a sua larga experiência administrativa, 14 anos como governador do maior estado brasileiro, é preparado para governar qualquer lugar. O ponto é: será que Geraldo Alckmin está preparado para o Brasil, sem ser o administrativo, mas o Brasil real eleitoral? Essa é a indagação a ser feita.
Recentemente, fazendo rodadas de qualitativas de caráter nacional, uma das medições propostas no roteiro era ver como o eleitorado percebia a imagem de alguns políticos nacionais. Lá na medição aparecia o nome do governador paulista. Geraldo Alckmin não tem fortes rejeições, a não ser entre os eleitores mais identificados com o PT, algo para sua equipe comemorar. No entanto, chama a atenção duas características que se repetem em vários grupos. A primeira é que apesar de tantos anos no cargo, as pessoas não reconhecem uma marca, uma bandeira ou algum feito de Geraldo Alckmin e a segunda é que o governador é para o resto do Brasil a cara de São Paulo.
Chega a ser assustador que várias das obras que Alckmin fez em São Paulo, sejam de pouco conhecimento, inclusive dos paulistas da capital e região metropolitana. O Rodoanel, a Nova Imigrantes, o PROAC, as Fatecs, Etecs, Poupatempo, Bom Prato, são diversos programas aprovados, criados e instalados por Geraldo Alckmin, mas que não têm vínculo direto com sua imagem. Precisam ser linkados forçadamente, não são relacionados diretamente de forma natural. A figura humana de Geraldo Alckmin é maior que a sua figura administrativa. Há uma diferença entre realização do governador e realização do governo de São Paulo.
Essa separação serve tanto para o bem quanto para o mal. As críticas à educação e à segurança pública parecem concentrar no governo estadual, sem grandes prejuízos ao governador, mas os louros dos aprovados projetos também ficam na conta da estrutura governamental e pouco se embaralham com a persona de Alckmin. O mandatário paulista é de uma identidade única. A crítica mais feita por seus adversários, idealizada por Paulo Maluf, de que Alckmin é o “picolé de chuchu”, por não ter gosto, criou um sentimento de que poucos são os que o amam, poucos são os que o odeiam, mas a maioria o respeita.
O constitucionalista, especializado em antropologia, Renato Dorgan Filho, sócio da Travessia Estratégia, faz uma análise sobre Geraldo Alckmin que deve ser levada em consideração e resume muito bem o que a maioria dos entrevistados veem no governador: “Geraldo Alckmin é um padre jesuíta”. Essa afirmação tem uma lógica sociológica completamente verdadeira. Alckmin é a cara da formação do interior paulista. Sua disposição ao diálogo, o toque físico sem efusividade, sua austeridade, seu equilíbrio e os hábitos simples, como acordar cedo, tomar café preto na padaria acompanhado de biscoitos, ir à missa religiosamente, engraxar seus próprios sapatos, definem a persona pública do postulante ao Planalto e o caracteriza como o paulista interiorano.
Até mesmo as acusações morais que foram feitas contra o governador, tanto na questão dos trens da CPTM, citações na Lava Jato e denúncias envolvendo seu cunhado, na sua terra natal Pindamonhangaba, passam ao largo. Não combina corrupção com Alckmin. É nítida a diferença de estrago de imagem que essas acusações tiveram contra alguns outros tucanos como os senadores José Serra e, principalmente, Aécio Neves.
Extremamente bem quisto no interior de São Paulo, Alckmin já sofre uma certa dificuldade em ser aceito pelos paulistanos e moradores da região metropolitana. Apesar de respeitado por esses eleitores, sua identidade já não é compatível em sua maioria com estes habitantes. Há um abismo entre as formas que o eleitor metropolitano e o interiorano enxergam o governador. Esse abismo é ainda maior quando transportado para a realidade brasileira. Sem particularizar por região, como se faz no âmbito estadual, o resto do Brasil olha para Geraldo Alckmin e o identifica como o verdadeiro paulista.
São Paulo tem pouca identidade sociológica e cultural com o restante do Brasil. Apesar de admirada pelo desenvolvimento econômico e ser a queridinha das elites das grandes cidades brasileiras, São Paulo tem uma concepção de vida, de relação estado-sociedade, da relação laboral, completamente distinta da maior parte do Brasil. Exceção feita ao Paraná, de formação parecida com São Paulo, a população do resto do Brasil tem uma compreensão de mundo muito distante da acreditada pelos paulistas. Candidatos paulistas historicamente tem dificuldades em se relacionar com o eleitor brasileiro e o fato de Alckmin estar absolutamente associado à “paulistanice” é um ponto a ser bastante estudado pela equipe de marketing do candidato.
O neuromarketing mostra situações em que nos confrontamos com ideias em que calibramos nossa antipatia ou simpatia por algo, devido às mensagens subliminares. Recentemente, uma pesquisa feita na Ásia pela Gallup, mostrou que muitos asiáticos tinham simpatia pela independência da Catalunha, por uma razão bastante peculiar, eles gostavam do FC Barcelona, e julgavam que como clube era independentista, a separação era algo que deveria ocorrer.
Subliminarmente votar em Alckmin é votar em São Paulo. Essa é uma das barreiras que o candidato terá pela frente. Racionalmente, eleger São Paulo seria o ideal, do ponto de vista econômico, mas do ponto de vista cultural, em nada atrai o sertanejo de Carpina-PE, o pescador de Conceição da Barra-ES, o agricultor de Carazinho-RS ou o mecânico morador da Compensa, no subúrbio de Manaus-AM.
Apesar dessa dificuldade em dialogar com o brasileiro não paulista, e de ser, hoje, o que a maioria das pessoas não desejam – ou seja, um político tradicional, sua candidatura é bastante competitiva à presidência da república, principalmente se conseguir ocupar o centro do debate, em uma polarização contra os dois polos antagônicos (Lula x Bolsonaro). Sem Lula no certame, ainda mais competitiva fica a situação do governador. Alckmin poderá novamente surfar num voto da exclusão, que sua imagem mais neutra ajuda a capitalizar. Todavia, caso queira sair de uma posição passiva e buscar esse eleitor pelos seus ativos, é fundamental o paulista se mostrar verdadeiramente em sintonia com os brasileiros, tanto na execução quanto na compreensão, qualificando-se cada vez mais para ser entendido como “preparado para o Brasil”.
Bruno Soller. Sócio da Travessia Estratégia. Consultor político e especialista em pesquisas.

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